Carta Manuscrita de Hernâni Cidade
Magnífica carta de oito páginas plenas, datada de 19 - XII - 1928, assinada por Hernâni Cidade e endereçada a Ferrand Pimentel de Almeida que era então Chefe de Gabinete do Ministro da Instrução. O sobrescrito está em muito bom estado e preserva o selo dos correios.
Toda a carta se relaciona com a delicada situação que atravessava a Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1928). Hernâni Cidade diz ter conhecimento de que estava em curso um restabelecimento da Faculdade de Letras do Porto que a reduziria a duas secções e sabendo, pois certamente que já via no horizonte os dias que se aproximavam, que essa remodelação impunha ao corpo docente e à própria instituição graves consequências, mostra-se muito apreensivo, até porque a sua secção seria poupada, criticando as intenções do ministro, e enaltece as qualidades de excelência dos docentes da Faculdade (Leonardo Coimbra, Luís Cardim, Aarão de Lacerda, Ângelo Ribeiro, Damião Peres, Newton de Macedo, Teixeira Rêgo, entre outros).
Alguns excertos do manuscrito:
"Meu querido Amigo
Se esta carta sair longa, tenha paciência. Que o atarefadíssimo chefe de gabinete a guarde para quando o amigo, em momento mais repousado, tiver tempo de a ler - que eu desejo muito que a não leia distraidamente.
Estou informado, meu amigo, que é intenção do novo ministro restabelecer a minha Faculdade, mas reduzida a duas secções - uma das quais a minha.
(...) Reconhece-se, enfim, no Ministério, que a 2ª cidade do País, a capital do Norte populosíssimo, a cidade que em tanta coisa - como, por exemplo, a assistência - dispensa os favores do Estado, para cuja riqueza, entanto, contribui como nenhum outra, tem categoria para uma escola de altos estudos humanísticos...
(...) A redução de que se fala é que eu não compreendo lá muito bem. Em primeiro lugar, não sei de modêlo sôbre que seria organizada essa truncada faculdadita; nem me parece -perdôe o Ferrand - que o objectivo dos estudos humanísicos seja abençoado cortando as pernas -ou a cabeça -a quem o prossegue.
Em segundo lugar, creio bem, salvo melhor opinião, que para emendar o êrro duma selecção que se afirma ter sido realizada por indicações da simpatia pessoal dum ministro ou seus amigos, os senhores fariam uma eliminação, que não poderia escapar-se a uma acusação análoga - a de ser determinada pela pessoal antipatia de outro ministro e seus amigos. E nestas coisas (...) até para que, enfim, pare a roda da nora, é já tempo de não fiar de mais no critério subjectivo, mesmo quando de mediano quilate. É sobretudo de interesse próprio e alheio não lhe subordinar a cara do mando, principalmente quando das suas pancadas possam resultar, para a alma ou para o corpo, danos difíceis de reparar.
Em terceiro lugar, meu amigo, não me parece que haja por aí boa e imparcial informação a respeito dos professores que seriam dispensados. Não sabendo quais são, falarei de quasi todos.
Há um que é sempre o primeiro que lembra - o Coimbra (Leonardo). Como êle (?) os seus defeitos (que não são nada aqueles que lhe atribuem) com as mais excepcionais qualidades de professor! Sarmento Beirão, que é dos mais distintos professores da Faculdade de Sciências do Pôrto, ainda ha muio pouco se referia com admiração à cultura matemática e scientífica do Leonardo (...) Ninguém, quando êle fala aos alunos ou aos amigos, mais brilhante e fácil, mais sugestivo e interessante. Mas por que não o lêem, caramba? A Alegria, a Dôr e a Graça está traduzida em espanhol e tem em português duas edições. Quem não deixa de o ler são os jesuítas de La Guardia...
Outro professor dum outro tipo - o Cardim (Luiz). O Ferrand percorra um dia a Colecção da Aguia, os últimos números da Diários (?) ou dê-se ao trabalho de ler a tradução e comentários de Júlio César, de Shakespeare. São provas das melhores aptidões para a identificação paciente, ao lado duma fina sensibilidade estética. Eu vou testemunhar, meu querido Ferrand, do doloroso, doentio escrúpulo que êle pôe no cumprimento dos seus deveres...
(...) O Ângelo Ribeiro (...) de cuja inteligência poderão falar os seus professores na Faculdade de Letras de Lisboa, que lhe deram sempre as melhores provas de consideração, tem belas qualidades de mestre - saber, método, lucidez mental, finura crítica de quem também é artista...
(...) Não ignora, certamente, que estão fora de discussão o talento excepcional do Newton (de Macedo) e do Peres (Damião) - talento e cultura que fazem deles dois dos nossos melhores professores do ensino superior. E também sabe que o nome de Mendes Correia honra a Sciência portuguesa, tanto como o ensino universitário. E o de Aarão (de Lacerda), está informado que é um devotado e inteligente trabalhador, que põe na sua actividade um calor de apóstolo...
(...) Teixeira Rêgo é o intelectual de mais (?) e viva erudição que eu conheço, além de dotado duma capacidade de criação original a que ainda ha dias o Prof. Oliveira Ramos se lhe referia com admiração. Provou-o na Nova Teoria do Sacrifício, que D. Manuel Cerejeira conhece, e a cada passo o prova nas revistas do Pôrto, em que colabora com uma assiduidade que espanta...
(...) Mas... é tempo de lhe falar de mim, meu querido amigo. Porque é poupada a minha secção? Eu mesmo não posso deixar de atribuir tal excepção ao favor de amigos como o Ferrand. Que dirão os outros?... Mas não vê a dificílima situação moral em que ela me coloca e aos colegas beneficiados? (...)
Documento muito bem conservado e cujo excepcional conteúdo é de grande interesse para o estudo do regime vigente na época e da história da Primeira Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 150€
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